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Acusações contra carreiras de Estado são injustas




 

Acusações contra carreiras de Estado são injustas

Por Paulo César Negrão de Lacerda

O jornal O Globo, de 21 de fevereiro, lançou um dos mais violentos ataques às chamadas carreiras de Estado do Poder Executivo Federal de que se tem notícia.

Busca o jornal demonstrar um suposto inchaço da máquina pública federal, que seria permeado por “clientelismo político e compadrio ideológico”, segundo seu editorial.

A tese é bastante simples: o governo federal teria contratado milhares de servidores por motivos políticos, e, com isso, beneficiado sindicatos que lhe são favoráveis. O mesmo raciocínio explicaria os reajustes concedidos ao longo dos últimos 8 anos.

Com esse objetivo, O Globo resolveu usar, a título de exemplo, as carreiras da Advocacia Geral da União (AGU), apresentando seus membros como grandes beneficiários do que seria o assim referido inchaço, seja em termos salariais, seja em termos de contratações. 

Para quem conhece, de perto, o serviço público federal, especificamente a situação, inclusive remuneratória, das carreiras jurídicas no Brasil (procuradores, juízes, promotores, defensores etc), o esforço de O Globo seria risível, não fosse o fato de que, infelizmente, milhares de leitores estão, agora, simplesmente desinformados e servidores públicos concursados, cujas funções são fundamentais para o Estado brasileiro, reduzidos à condição de apaniguados políticos, com todas as consequências negativas, inclusive morais, que tal imagem carrega.

Apesar de O Globo possuir uma linha editorial tradicionalmente crítica ao serviço público em geral, o grau de virulência e os adjetivos utilizados permitiram transparecer o objetivo de atacar, politicamente, o governo atual, usando as surradas teses do aparelhamento do Estado e do “inchaço da máquina” como pretexto.

A tese do aparelhamento político no caso das contratações, ressalte-se, por concurso público, carece, evidentemente, de lógica. Para alcançar tal objetivo, seria preciso imaginar que todos os concursos promovidos na esfera federal nos últimos 7 (sete) anos foram fraudados.

Caso contrário, seriam aprovados em concurso — como, em verdade, são — pessoas dos mais diversos e variados matizes ideológicos, muitos, inclusive, eleitores da oposição.

De fato, vários procuradores da Fazenda Nacional, por exemplo, se declaram eleitores da oposição. Muitos — eleitores da oposição ou não — exerceram cargos de confiança na Advocacia Pública Federal, tanto no atual governo, quanto no governo Fernando Henrique Cardoso.

Certamente, essa situação ocorre em todos os setores onde há carreiras de estado organizadas e com acesso aos cargos de direção superior, e é bom para o País que assim seja.

A existência de servidores capazes de participar de mais de uma administração em cargos de confiança é uma importante demonstração de amadurecimento institucional e profissionalismo, posto que ao servidor público de carreira não cabe julgar o mérito das políticas públicas, mas zelar por sua aplicação nos limites da Lei.

Em suma, não resiste a um mínimo de análise isenta a tese sustentada por O Globo em relação à contratação de servidores de carreira concursados. Muito ao revés, a contratação de servidores por concurso público é o caminho mais moderno, democrático, justo e republicano que o atual governo, ou qualquer outro, poderia seguir. É, sobretudo, a trilha que a Carta Política de 1988 elegeu.

O concurso público assegura que os altos postos da administração possam ser alcançados por qualquer um que se disponha a estudar muito, seja branco, negro, mulher, homem, rico, pobre, petista ou tucano.

Ainda no tema do suposto inchaço, tome-se como exemplo a situação da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN), órgão que possui subordinação técnica e jurídica ao Advogado Geral da União.

As amplas atribuições da PGFN e de seus procuradores incluem, principalmente, a representação da União em causas fiscais, a cobrança judicial e administrativa dos créditos tributários e não tributários e o assessoramento e consultoria no âmbito do Ministério da Fazenda.

Em outras palavras, aos cerca de 1.800 Procuradores da Fazenda Nacional cabe, dentre outras muitas atividades da mais absoluta relevância, promover a cobrança de um débito de cerca de R$ 520 bilhões (dívida ativa da União), em números referentes a 2008, além de representar a União em ações tributárias nas quais estão em disputa outras várias centenas de bilhões de reais, como o famoso caso do crédito prêmio do IPI (disputa de R$ 280 bilhões, ganha pela PGFN).

Tudo somado, é razoável afirmar que os 1.800 procuradores da Fazenda Nacional têm sob sua responsabilidade algo provavelmente superior a R$ 1 trilhão de dinheiro pertencente ao erário público, em última análise, de dinheiro do contribuinte, entendido como aquele que paga, voluntariamente, seus tributos, ou seja, a maioria do povo brasileiro, que paga tributos na fonte ou de forma indireta, na qualidade de consumidor final.

Todos os dias, esses procuradores da Fazenda, cuja dedicação é exclusiva por força de lei, ou seja, que não podem advogar para terceiros que não sejam a própria União, defrontam-se com os melhores advogados tributaristas do País, cujas remunerações podem ultrapassar, facilmente, a casa do milhão de reais.

Contudo, para O Globo, não haveria adjetivos para descrever uma remuneração inicial de pouco mais de R$ 14 mil brutos para integrantes, concursados, das carreiras da AGU (vide a coluna Panorama Econômico de 21 de fevereiro).

O valor em questão, que pode parecer realmente elevado para os padrões brasileiros médios, onde ainda impera a informalidade e a exploração da mão de obra barata e não qualificada, não é muito superior ao patamar de remuneração com a qual é brindada, por exemplo, a carreira dos procuradores do Estado de São Paulo ( R$ 12.331,79), mas é sensivelmente inferior à remuneração de um procurador do Distrito Federal (R$ 19.955,40) de um juiz federal substituto (R$ 19.955,40) ou de um procurador da República (R$ 21.505,00).

É evidente, portanto, em uma comparação entre carreiras da área jurídica, que não há nada de aberrante ou anormal no atual patamar remuneratório das carreiras da AGU, máxime quando se constata que o Ato das Disposições Transitórias da Constituição de 1988 assegurou aos Procuradores da República, em seu artigo 29, parágrafo 2º, a opção “entre as carreiras do Ministério Público Federal e da Advocacia-Geral da União”, demonstrando de maneira cabal que, sob a ótica constitucional, as duas carreiras estão em patamares equivalentes de relevância e atribuições.

Há que se lembrar, ademais, que, por duas vezes, advogados gerais da União foram alçados a ministros do Supremo Tribunal Federal, situação que, sem dúvida, aponta para a insofismável relevância institucional da AGU e, portanto, da compatibilidade entre os vencimentos dos advogados públicos federais e a relevância de suas funções.

Por seu turno, as críticas de O Globo relacionadas à contratação de advogados públicos, por meio de concursos, insista-se, são igualmente infundadas e injustas.

Primeiramente, é preciso lembrar que, durante o governo Fernando Henrique Cardoso, ao revés do que hoje ocorre, havia, de fato, muitos procuradores da Fazenda Nacional nomeados sem concurso, que exerciam o cargo de procurador seccional da Fazenda Nacional em vários estados da Federação.

Esses procuradores, cuja remuneração fixa era maior do que a dos procuradores concursados – graças à Medida Provisória 43/2002, da lavra do então presidente Fernando Henrique Cardoso – tinham acesso amplo a dados fiscais de contribuintes e controlavam boa parte da Divida Ativa da União, só havendo sido exonerados já no governo Lula, por determinação do então advogado-geral da União, Ministro Álvaro Augusto Ribeiro da Costa.

Portanto, no âmbito da PGFN, pode-se afirmar que as nomeações sem concurso público ocorreram durante o governo Fernando Henrique e cessaram no início do governo Lula. Esse é o fato.

Por outro lado, havia, em 2002, 814 cargos ocupados de Procurador da Fazenda Nacional, sendo a arrecadação total do órgão no valor de R$ 6.865.964.306,44, enquanto em 2008, a arrecadação total alcançara R$ 17.536.062.718,60, para um quadro de 1.785 Procuradores.

É curioso notar que ao final de 2003, primeiro ano do Governo Lula, já havia 1.054 Procuradores da Fazenda Nacional concursados e a arrecadação da PGFN, por seu turno, subira para R$ 10.013.861.421,40, ou seja, R$ 3.147.897.114,96 a mais de arrecadação para apenas 240 novos Procuradores.

Esses números demonstram claramente que, após as novas contratações, denunciadas por O Globo como prova de nefasto inchaço, o desempenho da PGFN melhorou muito, tanto no aspecto quantitativo como no qualitativo, levando ao perceptível aumentando da eficiência e da eficácia da cobrança forçada de débitos tributários e não tributários e da defesa da União em Juízo.

Um contribuinte menos atento poderia achar que esse resultado, afinal de contas, apenas beneficiaria o Estado. Há, contudo, nesse raciocínio, um equívoco evidente.

A Administração Tributária como um todo e a PGFN, em particular, atuam para igualar todos os contribuintes perante a Lei. Igualam os que sonegam ou não pagam seus tributos em dia àqueles que os pagam pontualmente, buscando garantir que o peso dos tributos não recaia apenas sobre aqueles que não conseguem fugir da tributação, como a classe média assalariada e os mais pobres, que sofrem com o peso dos tributos indiretos, na condição de consumidores finais.

Agindo assim, a Administração Tributária ajuda a equilibrar as contas do Estado sem aumento efetivo da carga tributária. Como sabe qualquer síndico de prédio, quando todos pagam, todos pagam menos.

Promove, ainda, o combate à concorrência desleal levada a efeito por empresas que usam a sonegação sistemática para conquistar mercados à custa daquelas que lutam para manter em dia suas obrigações fiscais.

Há, por isso, um benefício evidente para o cidadão comum, que, dessa forma, deixa de ser chamado a contribuir ainda mais para compensar a evasão promovida por aqueles que não pagam seus tributos.

Em síntese, o exemplo escolhido por O Globo para seu ataque não poderia ter sido mais infeliz e desinformado.

É claro que não se é obrigado a concordar com essa ou aquela remuneração, especialmente quando essas remunerações são pagas com dinheiro público. É evidente também que a imprensa deve estar atenta e fiscalizar todos os Governos e todos os Poderes, mas isso não pode significar uma carta branca para enxovalhar a reputação de carreiras dignas e honestas, compostas por homens e mulheres que prestaram concursos públicos difíceis e concorridos e que todos os dias lutam com imensas dificuldades pelo bem e pelo progresso do País e de seu Povo.

Há que lamentar que um importante órgão de imprensa, de quem se espera um mínimo de compromisso com os fatos, não procure empreender um debate de forma mais madura, equilibrada e construtiva, preferindo adotar um viés eivado de preconceito e desinformação.

 

Disponível em http://www.conjur.com.br/2010-fev-23/

 

Fonte/Autor: Consultor Jurídico.




    

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